Mark Spain











A terra treme quando sobre mim te elevas.

Casimiro de Brito 



Mark Spain









Um mistério que nunca saberei decifrar: as asas quebradas ainda voam. A voz rouca ainda canta. O sexo cansado ainda se levanta. E que dizer de mulheres que nunca saberei decifrar? Abrem as suas bocas e dizem, Cai, regressa ao teu lugar. Jamais deixarei de cantar.

Casimiro de Brito

Mark Spain







Sonhei contigo: um olhar, o teu corpo alucinante esmagado sobre o meu, a tua figura engolida pela noite e pelo vento no terraço da casa da praia. A neblina colorida do mar mediterrâneo. Ela, que eras tu, afastando-se e aproximando-se, vezes sem conto, sorrindo leve. Acordei e chorei. As nuvens vão mais do que vêm. Canto e choro e recordo cada um dos nossos instantes na casa do amor. Desejo-te com ternura. São gémeas a chama e a flor, a paixão e a amizade. E digo-te. E respondes: “Amo-te com a mesma loucura mas agora mais sabiamente.” Não entendo.

Casimiro de Brito 

Mark Spain








O meu desejo, no amor e na poesia, é o mesmo: sexo e canto em tudo o que toco. As palavras raramente se afastam enquanto amo — talvez apenas quando a morte me vive. A pulsão erótica jamais se exila dos meus poemas, ainda que fale de pedras que serão sempre cheias de tensão. Vão para a cama comigo. O meu corpo ainda quer festa e mais e mais. O bom que foi ter-me libertado da monogamia.

Casimiro de Brito 

Mark Spain






Um animal: o sexo do homem. Outro: o sexo da mulher. Um animal dentro, no centro, entre as pernas de outro animal. Acorda. Nem sempre acordam ao mesmo tempo, o homem e a mulher, vivam juntos, estejam deitados lado a lado.  Em todos os casos é a passagem, ou não, de um mundo a outro: do caos a uma ordem, também ela um pouco enigmática. Sempre sob uma certa violência íntima (uma con-fusão indefinida) que deseja violar e ser violada — uma aproximação do crime e da morte. É preciso destruir o que existe (os eus defendidos pela pele) para dizer a realidade erótica e criar (forçar) um novo estado de coisas. Eu quero o outro como ele é mas vou transformá-lo e desejo que ele me transforme — é essa a essência e o destino da sexualidade, seja ela a reproductiva ou a do jogo amoroso, enigmas ambos indecifrados. Linguagens fazendo-se.

Casimiro de Brito

Mark Spain






“Bom dia, querida louca. A minha nudez sonha contigo.” Do Velho Testamento: Um dia Noé, que havia bebido vinho, entrou na sua tenda, despiu-se e o seu sexo elevou-se ao céu. O seu filho Cham viu o pai e chamou os irmãos exclamando: Vinde ver como ela sonha, a nudez do pai. “A minha nudez também te ama e tem muitas saudades da tua.”

Casimiro de Brito

Mark Spain








“Esqueceram o fogo, a punição, o pecado, o inferno. Amava ela o adultério? Sim, com paixão, com fidelidade. Esqueceu-se da hora das orações. Estava sob o domínio e a promessa de outra oração, de outra sagração do corpo. Oração onde o corpo encontra o seu ritmo no caos e se orienta para o seu centro de gravidade, o seu florescimento, o seu reencontro animal com o início da legenda do mundo.” Abdelkébir Khatibi, Pèlerinage d’un artiste amoureux.

Casimiro de Brito 

Mark Spain








A verdade é outra: caímos da sombra para a luz excessiva. O Éden foi o ventre materno e a expulsão dolorosa do parto é apenas o começo de uma partida que não vai cessar. Não há regresso mas doces simulacros. Ilhas (sexos masculinos) que regressam ao mar. Lagos (sexos femininos) que recuperam o filho pródigo. Tanta fundação! As suaves viagens da infância iluminada. Escrevas ou não, pintes ou não, lembrar é cantar. Por isso regressas ou esperas que ele regresse. O sexo ao sexo, as cinzas às cinzas. Não há mais nada mas posso cantá-lo de mil maneiras.

Casimiro de Brito

Mark Spain






Contigo e somente contigo se fundem Eros e Philia: o desejo, a ternura, o prazer das ideias e a pulsão infinita de me integrar no teu sangue. Dar-me e receber-te totalmente. Desregrar-me. Ouvir-te dizer que me sonhas noite e dia, na mente e na carne. Sentir-te aberta a todos os ventos. Entrar contigo nas ilhas humildes e turbulentas que vamos deixando pelo caminho, os corpos feridos, nesses hotéis onde fomos afáveis bichos sequiosos, sem saber dos dias nem das noites, “até cair para o lado”. E assim vai ser até que um de nós, nos braços do outro, seja chamado.

Casimiro de Brito

Mark Spain




“Quando ele te acenar, segue-o”, diz Khalil Gibran sobre o amor. Outra coisa não faço sabendo embora (entre ruínas) que os outros, os que dependem de nós, não podem ser arrastados na cheia desta paixão. Há um coração despedaçado que paira sobre umas montanhas distantes debruçadas sobre um mar antigo. Lá de cima, quando estive na cabana de Khalil, via apenas o azul mediterrânico e a complacência dos montes. A dor ainda não se havia misturado com o desejo.

Casimiro de Brito

Mark Spain






Paixão antiga. Que floresce quando a seiva parecia ter secado. Abres, sorris na tua dor e eu entro. Entrei sempre que abriste e foste abrindo sempre, de longe em longe, com igual paixão. Sempre foi assim, ao longo de vinte anos, desde o primeiro olhar. Tu em carne viva, eu a refugiar-me na viva carne de tudo. Andróginos, dizes, quando em mim te fundes.

Casimiro de Brito 

Mark Spain




As mãos da mulher no rosto do homem, e depois nos ombros — as mãos do homem na cintura da mulher, e depois nas nádegas. Movimentos em que quase se detêm. Parecem parados no tempo por um momento. Mas depois há outros, os corpos abrem-se e fecham-se em espiral, nas várias maneiras de invocarem a morte, que não se faz esperar. Anda por aqui um simulacro de religiosidade, de coisa mística, de chamada de um deserto mais repousante que um oásis. Coisas afins. Mas sempre o regresso ao corpo. As pernas do homem concentradas no cristal fascinante entre elas, as da mulher, toda ela aberta, nos ombros do homem. Cintilam.

Casimiro de Brito




Mark Spain

Sempre fui interessado em arte, desde pequeno. Depois de passar pela escola de artes, decidi fazer impressos e abri um estúdio em Kent, onde passei muitos anos desenvolvendo minhas técnicas. Minha arte começou com o amor por paisagens. Entretanto, com o passar do tempo, senti necessidade de desenvolver outras formas do imaginário, do abstrato ao figurativo. Constantemente eu experimento temas e técnicas diferentes, que aplico a uma variedade de imagens. Embora isso seja novo para mim, gostei e decidi abraçar os novos desafios. Minhas colagens, montagens e pinturas tem recebido bom destaque em exibições.
Meu trabalho figurativo foi publicado por Washington Green, com quem tenho trabalhado em conjunto por vários anos. O trabalho é envolvente e me agrada o desafio de expandir ideias baseadas nas formas femininas. O movimento é chave em muitos dos meus trabalhos, assim como forma, textura e cor. Isso é algo em que sinto poder avançar, me aperfeiçoando. Espero que gostem de meu trabalho, tanto quanto eu gosto de produzi-lo.

Mark