Edgar Mendoza Mancillas

Edgar Mendoza Mancillas






ESCRITO COM TINTA VERDE


A tinta verde cria jardins, selvas, prados,
folhagens onde gorjeiam letras,
palavras que são árvores,
frases de verdes constelações.
Deixa que minhas palavras, ó branca, desçam e te cubram
como uma chuva de folhas a um campo de neve,
como a hera à estátua,
como a tinta a esta página.
Braços, cintura, colo, seios,
fronte pura como o mar,
nuca de bosque no outono,
dentes que mordem um talo de grama.
Teu corpo se constela de signos verdes,
renovos num corpo de árvore.
Não te importe tanta miúda cicatriz luminosa:
olha o céu e sua verde tatuagem de estrelas.


Octavio Paz
 Trad. Haroldo de Campos

Edgar Mendoza Mancillas








IRMANDADE


Sou homem: duro pouco
e é enorme a noite.
Mas olho para cima:
as estrelas escrevem.
Sem entender compreendo:
Também sou escritura
e neste mesmo instante
alguém me soletra.


Octavio Paz
Trad. Antônio Moura

Edgar Mendoza Mancillas








CONVERSAR


Em um poema leio:
Conversar é divino.
Mas os deuses não falam:
fazem, desfazem mundos
enquanto os homens falam.
Os deuses, sem palavras,
jogam jogos terríveis.
O espírito baixa
e desata as línguas
mas não diz palavra:
diz luz. A linguagem
pelo deus acesa,
é uma profecia
de chamas e um desplume
de sílabas queimadas:
cinza sem sentido.
A palavra do homem
é filha da morte.
Falamos porque somos
mortais: as palavras
não são signos, são anos.
Ao dizer o que dizem
os nomes que dizemos
dizem tempo: nos dizem,
somos nomes do tempo.
Conversar é humano.


Octavio Paz
Trad. Antônio Moura

Edgar Mendoza Mancillas







UM DESPERTAR


Estava emparedado dentro de um sonho,
Seus muros não tinham consistência
Nem peso: seu vazio era seu peso.
Os muros eram horas e as horas
Fixo e acumulado pesar.
O tempo dessas horas não era tempo.
Saltei por uma fenda: às quatro
Deste mundo. O quarto era meu quarto
E em cada coisa estava meu fantasma.
Eu não estava. Olhei pela janela:
Sob a luz elétrica nem uma viva alma.
Reflexos na vela, neve suja,
Casas e carros adormecidos, a insônia
De uma lâmpada, o carvalho que fala solitário,
O vento e suas navalhas, a escritura
Das constelações, ilegíveis.
Em si mesmas as coisas se abismavam
E meus olhos de carne as viam
Oprimidas de estar, realidades
Despojadas de seus nomes. Meus dois olhos
Eram almas penadas pelo mundo.
Na rua vazia a presença
Passava sem passar, desvanecida
Em suas formas, fixa em suas mudanças,
E em volta casas, carvalhos, neve, tempo.
Vida e morte fluíam confundidas.
Olhar desabitado, a presença
Com os olhos de nada me fitava:
Véu de reflexos sobre precipícios.
Olhei para dentro: o quarto era meu quarto
E eu não estava. A ele nada falta
- sempre fiel a si, jamais o mesmo -
ainda que nós já não estejamos... Fora
contudo indecisas, claridades:
a Alba entre confusos telhados.
E as constelações que se apagavam.

Octavio Paz
Trad. Antônio Moura

Edgar Mendoza Mancillas






ÁRVORE ADENTRO


Cresceu em minha fronte uma árvore.
Cresceu para dentro.
Suas raízes são veias,
nervos suas ramas,
Sua confusa folhagem pensamentos.
Teus olhares a acendem
e seus frutos de sombras
são laranjas de sangue,
são granadas de luz.
Amanhece
na noite do corpo.
Ali dentro, em minha fronte,
a árvore fala.
Aproxima-te. Ouves?

Octavio Paz
Trad. Antônio Moura

Edgar Mendoza Mancillas





PEDRA NATIVA


 (Fragmento)


Como as pedras do Princípio

Como o princípio da Pedra
Como no Princípio pedra contra pedra
Os fastos da noite:
O poema ainda sem rosto
O bosque ainda sem árvores
Os cantos ainda sem nome
Mas a luz irrompe com passos de leopardo
E a palavra se levanta ondula cai
E é uma extensa ferida e puro silêncio sem mácula


Octavio Paz

Trad. Haroldo de Campos

Edgar Mendoza Mancillas






Teus Olhos 


Teus olhos são a pátria do relâmpago e da lágrima, 
silêncio que fala, 
tempestades sem vento, mar sem ondas, 
pássaros presos, douradas feras adormecidas, 
topázios ímpios como a verdade, 
outono numa clareira de bosque onde a luz canta no ombro 
duma árvore e são pássaros todas as folhas, 
praia que a manhã encontra constelada de olhos, 
cesta de frutos de fogo, 
mentira que alimenta, 
espelhos deste mundo, portas do além, 
pulsação tranquila do mar ao meio-dia, 
universo que estremece, 
paisagem solitária.


Octavio Paz

Edgar Mendoza Mancillas





Silêncio 


Assim como do fundo da música 
brota uma nota 
que enquanto vibra cresce e se adelgaça 
até que noutra música emudece, 
brota do fundo do silêncio 
outro silêncio, aguda torre, espada, 
e sobe e cresce e nos suspende 
e enquanto sobe caem 
recordações, esperanças, 
as pequenas mentiras e as grandes, 
e queremos gritar e na garganta 
o grito se desvanece: 
desembocamos no silêncio 
onde os silêncios emudecem.


Octavio Paz

Edgar Mendoza Mancillas







Movimento


Se tu és a égua de âmbar 
eu sou o caminho de sangue 
Se tu és o primeiro nevão 
eu sou quem acende a fogueira da madrugada 
Se tu és a torre da noite 
eu sou o cravo ardendo em tua fronte 
Se tu és a maré matutina 
eu sou o grito do primeiro pássaro 
Se tu és a cesta de laranjas 
eu sou o punhal de sol 
Se tu és o altar de pedra 
eu sou a mão sacrílega 
Se tu és a terra deitada 
eu sou a cana verde 
Se tu és o salto do vento 
eu sou o fogo oculto 
Se tu és a boca da água 
eu sou a boca do musgo 
Se tu és o bosque das nuvens 
eu sou o machado que as corta 
Se tu és a cidade profunda 
eu sou a chuva da consagração 
Se tu és a montanha amarela 
eu sou os braços vermelhos do líquen 
Se tu és o sol que se levanta 
eu sou o caminho de sangue 


Octavio Paz,
in "Salamandra" 
Tradução de Luis Pignatelli

Edgar Mendoza Mancillas





Destino de Poeta


Palavras? Sim, de ar, 
e no ar perdidas. 
Deixa-me perder entre palavras, 
deixa-me ser o ar nuns lábios, 
um sopro vagabundo sem contornos 
que o ar desvanece. 

Também a luz em si mesma se perde. 


Octavio Paz,
in "Liberdade sob Palavra" 
Tradução de Luis Pignatelli

Edgar Mendoza Mancillas



EDGAR MENDOZA MANCILLAS


Começou a pintar em 1989 em Durango, México. A Escola de Pintura de Durango existe desde a década de cinquenta, fundada por Francisco Montoya de la Cruz, pintor do movimento muralista mexicano, que formou oficinas de Pintura, Escultura, Gravação e Artesanato. Quando chegou, Montoya estava para se aposentar, a época de ouro havia acabado faz tempo, e as oficinas estavam praticamente esquecidas. Apenas três Mestres mantinham o entusiasmo em suas aulas: Donato Martínez, um veterano escultor, co-fundador, com Montoya de la Cruz. Marcos Martínez Velarde, encarregado da oficina de Desenho e Modelagem, que fazia os alunos trabalhar incansavelmente em um modelo; e o mestre Guillermo Bravo Morán, que havia estado na grande equipe de David Alfaro Siqueiros em Cuernavaca, Morelos, um dos três pilares do Muralismo Mexicano, único movimento artístico contemporâneo pelo qual o México é conhecido no mundo.
Atualmente, vive em Alicante, Espanha.
Este artista mexicano demonstra através de sua arte uma habilidade descomunal em retratar figuras humanas hiperrealistas, cria uma identidade muito interessante de arte acadêmica conceitual e surreal, conseguindo assim uma fórmula muito bem elaborada e de difícil manuseio, além de fortes pinceladas de sua visão política e sócio-econômica. Mancillas é criador de composições belíssimas, de equilíbrio incontestável, que destacam um incrível trabalho de claro e escuro, carregando uma enorme harmonia cromática.










Dia


De que céu caído, 
oh insólito, 
imóvel solitário na onda do tempo? 
És a duração, 
o tempo que amadurece 
num instante enorme, diáfano: 
flecha no ar, 
branco embelezado 
e espaço já sem memória de flecha. 
Dia feito de tempo e de vazio: 
desabitas-me, apagas 
meu nome e o que sou, 
enchendo-me de ti: luz, nada. 

E flutuo, já sem mim, pura existência. 


Octavio Paz,
in "Liberdade sob Palavra" 
Tradução de Luis Pignatelli


Octavio Paz Lozano Nasceu na Cidade do México em 31 de Março de 1914 e faleceu em 19 de Abril de 1998. Foi um poeta, ensaísta, tradutor e diplomata mexicano, notabilizado, principalmente, por seu trabalho prático e teórico no campo da poesia moderna ou de vanguarda. Recebeu o Nobel de Literatura de 1990. Escritor prolífico cuja obra abarcou vários gêneros, é considerado um dos maiores escritores do século XX e um dos grandes poetas hispânicos de todos os tempos.
Passou a infância nos Estados Unidos, acompanhando a família. De volta ao seu país, estudou direito na Universidade Nacional Autônoma do México. Cursou também especialização em literatura. Morou na Espanha, onde conviveu com diversos intelectuais. Viveu também em Paris, no Japão e na Índia.
Em 1945, ingressou no serviço diplomático mexicano. Quando morava em Paris, testemunhou e viveu o movimento surrealista, sofrendo grande influência de André Breton, de quem foi amigo. Em sua criação, experimentou a escrita automática, tendo praticado posteriormente uma poesia ainda vanguardista, porém mais concisa e objetiva voltada a um uso mais preciso da função poética da linguagem.
Publicou mais de vinte livros de poesia e incontáveis ensaios de literatura, arte, cultura e política, desde Luna Silvestre, seu primeiro livro, de 1933.