Almada Negreiros




Rondel do Alentejo



Em minarete
mate
bate
leve
verde neve
minuete
de luar.



Meia-noite
do Segredo
no penedo
duma noite
de luar.



Olhos caros
de Morgada
enfeitava
com preparos
de luar.



Rompem fogo
pandeiretas
morenitas,
bailam tetas
e bonitas,
bailam chitas
e jaquetas,
são de fitas
desafogo
de luar.



Voa o xaile
andorinha
pelo baile,
e a vida
doentinha
e a ermida
ao luar.



Laçarote
escarlate
de cocote
alegria
de Maria
la-ri-rate
em folia
de luar.



Giram pés
giram passos
girassóis
os bonés,
os braços
estes dois
iram laços
o luar.


colete
esta virgem
endoidece
como o S
do foguete
em vertigem
de luar.


Em minarete
mate
bate
leve
verde neve
minuete
de luar.

Almada Negreiros


Almada Negreiros









Esperança



Esperança:
isto de sonhar bom para diante
eu fi-lo perfeitamente,
Para diante de tudo foi bom
bom de verdade
bem feito de sonho
podia segui-lo como realidade


Esperança:
isto de sonhar bom para diante
eu sei-o de cor.
Até reparo que tenho só esperança
nada mais do que esperança
pura esperança
esperança verdadeira
que engana
e promete
e só promete.
Esperança:
pobre mãe louca
que quer pôr o filho morto de pé?


Esperança
único que eu tenho
não me deixes sem nada
promete
engana
engano que seja
engana
não me deixes sozinho
esperança.





Almada Negreiros


Almada Negreiros






Contos pequeníssimos

esta grandeza de não a ter
é mais pequena que a de não desejar tê-la

e se o preço de participar é grandeza
não contem comigo
não participo
não participo nem contra grandeza

nasci ar
em forma de gente

nasci luz
em forma de gente

não me compreendo
e respiro-me
e vejo-me textual

a forma de gente faz-me agir fora do que nasci ar
fora do que nasci luz

e nasci ar para forma de gente
e nasci luz para forma de gente

nasci antes de mim
antes de forma de gente

era gênio antes de nascer
em forma de gente
a forma de gente não me deixa ser o gênio que nasci.


Almada Negreiros



Almada Negreiros

Agradeço, de forma muito especial a Heloisa Asinari, pesquisadora da literatura de Almada Negreiros, que ajudou a elaboração desta página,enviando imagens e artigos a respeito deste autor de seu acervo pessoal. Assim, contribuiu para o enriquecimento deste Blog.







A sombra sou eu



A minha sombra sou eu,

ela não me segue,

eu estou na minha sombra

e não vou em mim.

Sombra de mim que recebo a luz,

sombra atrelada ao que eu nasci,

distância imutável de minha sombra a mim,

toco-me e não me atinjo,

só sei do que seria

se de minha sombra chegasse a mim.

Passa-se tudo em seguir-me

e finjo que sou eu que sigo,

finjo que sou eu que vou

e não que me persigo.

Faço por confundir a minha sombra comigo:

estou sempre às portas da vida,

sempre lá, sempre às portas de mim!





Almada Negreiros