Igor Samsonov










POEMA

Se morro
universo se apaga como se apagam
as coisas deste quarto
se apago a lâmpada:
os sapatos - da - ásia, as camisas
e guerras na cadeira, o paletó -
dos - andes,
bilhões de quatrilhões de seres
e de sóis
morrem comigo.

Ou não:

o sol voltará a marcar
este mesmo ponto do assoalho
onde esteve meu pé;

deste quarto
ouvirás o barulho
dos ônibus na rua;
uma nova cidade surgirá
de dentro desta
como a árvore da árvore.

Só que ninguém poderá ler no esgarçar destas nuvens

a mesma história que eu leio, comovido.

Ferreira Gullar

Igor Samsonov





"Quando surge uma idéia, vou para a rua. Tenho prazer em conceber o poema no meio das pessoas que passam e nem suspeitam que ali, naquela hora ele está nascendo"


"Quando o poema chega, é um acontecimento inusitado, uma erupção, como um vulcão. Está tudo bem e de repente ele começa a colocar fogo pela boca."


"Posso fazer dez poemas por dia, porque eu sei fazer. Mas nunca farei isso. Eu sempre fui assim, sempre escrevi o poema necessário."


Ferreira Gullar


Igor Samsonov







APRENDIZADO

Do mesmo modo que te abriste à alegria
abre-te agora ao sofrimento
que é fruto dela e seu avesso ardente.

Do mesmo modo que da alegria foste
ao fundo
e te perdeste nela
e te achaste
nessa perda
deixa que a dor se exerça agora
sem mentiras nem desculpas

e em tua carne vaporize
toda ilusão

que a vida só consome
o que a alimenta.

Ferreira Gullar


Igor Samsonov






NO CORPO


De que vale tentar reconstruir com palavras

O que o verão levou

Entre nuvens e risos

Junto com o jornal velho pelos ares


O sonho na boca, o incêndio na cama,

o apelo da noite

Agora são apenas esta

contração (este clarão)

do maxilar dentro do rosto.


A poesia é o presente.

Ferreira Gullar




Igor Samsonov




SUBVERSIVA

A poesia
Quando chega

Não respeita nada.

Nem pai nem mãe.
Quando ela chega
De qualquer de seus abismos

Desconhece o Estado e a Sociedade Civil
Infringe o Código de Águas
Relincha

Como puta
Nova

Em frente ao Palácio da Alvorada.

E só depois
Reconsidera: beija
Nos olhos os que ganham mal
Embala no colo
Os que têm sede de felicidade

E de justiça.


E promete incendiar o país.

Ferreira Gullar

Igor Samsonov

Igor Samsonov





Poemas Neoconcretos I


mar azul

mar azul marco azul

mar azul marco azul barco azul

mar azul marco azul barco azul arco azul

mar azul marco azul barco azul arco azul ar azul

Ferreira Gullar



Igor Samsonov




Nova Canção do Exílio



Minha amada tem palmeiras
Onde cantam passarinhos
e as aves que ali gorjeiam
em seus seios fazem ninhos
Ao brincarmos sós à noite
nem me dou conta de mim:
seu corpo branco na noite
luze mais do que o jasmim
Minha amada tem palmeiras
tem regatos tem cascata
e as aves que ali gorjeiam
são como flautas de prata
Não permita Deus que eu viva
perdido noutros caminhos
sem gozar das alegrias
que se escondem em seus carinhos
sem me perder nas palmeiras
onde cantam os passarinhos


Ferreira Gullar

Igor Samsonov





MADRUGADA

Do fundo de meu quarto, do fundo
de meu corpo
clandestino
ouço (não vejo) ouço
crescer no osso e no músculo da noite
a noite

a noite ocidental obscenamente acesa

sobre meu país dividido em classes


FERREIRA GULLAR


Igor Samsonov





OS MORTOS


os mortos vêem o mundo
pelos olhos dos vivos

eventualmente ouvem,
com nossos ouvidos,

certas sinfonias

algum bater de portas,

ventanias

Ausentes
de corpo e alma
misturam o seu ao nosso riso
se de fato
quando vivos
acharam a mesma graça

Ferreira Gullar


Igor Samsonov





Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:

fundo sem fundo.


Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza

e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte

delira.


Uma parte de mim
almoça e janta:

outra parte

se espanta.


Uma parte de mim

é permanente:
outra parte

se sabe de repente.


Uma parte de mim é
só vertigem:

outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
que é uma questão

de vida ou morte —

será arte?

Ferreira Gullar

Igor Samsonov






"A poesia não fala de tudo.
Existe uma parte da vida sobre a qual a poesia não fala,
mas eu também sou essas outras coisas."




Ferreira Gullar